domingo, 3 de janeiro de 2016

SONETO 10


Envergonha-te negar que não ames,
Tu que és tão imprudente;
Aceita, se quiseres, ser amado por muitos,
Mas é certo que não ames ninguém;
Pois tens um ódio tão mortal,
Que apenas contra ti não conspiras,
Buscando arruinar este nobre teto,
Que tanto desejas remendar:
Ah, muda teu pensamento que mudarei o meu!
Deve o ódio ter mais reservas do que o Amor?
Sê, como tua presença, gentil e gracioso,
Ou, a ti, ao menos, te proves amável;
Sê outro, pelo amor que tens por mim,
Para que a beleza permaneça em ti.

SONETO 12


Quando conto as horas que passam no relógio,
E a noite medonha vem naufragar o dia;
Quando vejo a violeta esmaecida,
E minguar seu viço pelo tempo embranquecida;
Quando vejo a alta copa de folhagens despida,
Que protegia o rebanho do calor com a sua sombra,
E a relva do verão atada em feixes
Ser carregada em fardos em viagem,
Então questiono a tua beleza,
Que deve fenecer com o vagar dos anos,
Como a doçura e a beleza se abandonam,
E morrem tão rápido, enquanto outras crescem:
Nada detém a foice do Tempo,
A não ser os filhos, a perpetuá-lo após tua partida.

SONETO 14


Não faço meus julgamentos pelas estrelas,
Embora conheça bem a astronomia,
Mas não para adivinhar o azar ou a sorte,
As pragas, as privações ou as mudanças de estação;
Nem posso adivinhar o futuro próximo,
Dando a cada um a sua tormenta,
Ou dizer aos príncipes se tudo passará,
Predizendo o que apenas os céus podem trazer:
Porém, retiro a minha sabedoria de teus olhos,
E neles (eternas estrelas) entendo a sua arte,
Pois, juntos, vencerão a verdade e a beleza,
Se, de teu próprio ser, verteres o teu alento,
Senão, isto, eu prenunciaria:
Em ti, toda verdade e beleza findam.

SONETO 15


Quando penso que tudo que cresce
Guarda em perfeição só um momento,
Que este imenso palco, sem desvendar, apresenta
O que as estrelas nutrem em segredo;
Quando noto que os homens, como as plantas,
Vivem e morrem sob o mesmo céu,
Gabando-se de um viço que se esvai
E de todas as bravatas imemoriais,
Então a vaidade desta breve permanência
Faz-te mais jovem ante os meus olhos,
Onde o Tempo perdido se debate com a Morte,
Para transformar o teu dia de juventude em noite escusa,
E sempre combatendo o Tempo pelo teu Amor,
Se ele o roubar de ti, outra vez te recomponho.

SONETO 17


Quem crerá em meu verso no futuro,
Se for tomado por teu completo abandono?
E Deus sabe que a tua vida se transformou em tumba,
Sem deixar entrever nem a metade de teu ser.
Se eu pudesse descrever a beleza de teus olhos,
E enumerar infinitamente todos os teus dons,
O futuro diria: “Este poeta mente,
Tanta graça divina jamais existiu em um ser”.
Podem os papéis amarelados em que escrevo
Serem desprezados como velhos falastrões,
E tuas verdades poriam fim à ira deste poeta,
E prolongariam o som de uma antiga canção:
Mas, se um filho teu vivesse, então,
Viverias duas vezes – nele e em meu canto.

SONETO 18


Como hei de comparar-te a um dia de verão?
És muito mais amável e mais ameno:
Os ventos sopram os doces botões de maio,
E o verão finda antes que possamos começá-lo:
Por vezes, o sol lança seus cálidos raios,
Ou esconde o rosto dourado sob a névoa;
E tudo que é belo um dia acaba,
Seja pelo acaso ou por sua natureza,
Mas teu eterno verão jamais se extingue,
Nem perde o frescor que só tu possuis,
Nem a Morte virá arrastar-te sob a sombra,
Quando estes versos te elevarem à eternidade.
Enquanto a humanidade puder respirar e ver,
Viverá meu canto e ele te fará viver.

SONETO 19


Tempo voraz, corta as garras do leão,
E faze a terra devorar a sua doce prole;
Arranca os dentes afiados da feroz mandíbula do tigre,
E queima a eterna fênix em seu sangue;
Alegra e entristece as estações, enquanto corres,
E ao vasto mundo e todos os seus gozos passageiros,
Faze o que quiseres, Tempo fugaz,
Mas proíbo-te de um crime ainda pior:
Ah, não marques com tuas horas a bela fronte do meu amor,
Nem traces ali as linhas com a tua arcaica pena;
Permite que ele siga o teu curso, imaculado,
Levado pela beleza que a todos sustém.
Embora sejas mau, velho Tempo, e malgrado os teus erros,
Meu amor continuará jovem em meus versos.

SONETO 20


Tens a face de mulher pintada pelas mãos da Natureza,
Senhor e dona de minha paixão;
O coração gentil de mulher, mas avesso
Às rápidas mudanças, como o modismo que passa;
Um olhar mais brilhante e mais autêntico,
A imantar tudo que contempla;
Uma tez de homem que contém todos os tons,
Rouba a atenção dos homens e espanta as mulheres.
Se, como mulher, tivesses sido primeiro criado,
Até a Natureza, ao te conceber, caiu-lhe o queixo,
E eu, também, caído a teus pés,
Nada mais acrescento ao meu propósito.
Mas, ao te escolher para o prazer das mulheres,
Teu é o meu amor e, teu uso dele, o seu tesouro.

SONETO 22


Meu espelho não me dirá que envelheço,
Enquanto tenhas a mesma idade e juventude;
Mas quando, em ti, vejo a essência do tempo,
Sinto que a morte expiará meus dias.
Pois, toda a beleza que viceja em ti
É apenas um prolongamento do meu coração
Que vive em teu peito, como o teu em mim:
Como, então, eu seria mais velho do que és?
Ah, então, meu amor, sê cuidadosa
Como eu; não por mim, mas por tua vontade;
Carregando o teu coração, que guardarei comigo,
Como a ama protege o seu bebê querido.
Não penses em teu coração quando o meu fenecer:
Tu me deste o teu para nunca mais o devolver.

SONETO 23


Como um mau ator que sobe ao palco,
Que, por medo, está aquém de seu papel,
Ou uma fera tomada pelo excesso de ira,
Cuja força exorbitante enfraquece o coração;
Eu, então, por desconfiar, me esqueço de celebrar
A sublime cerimônia do enlace amoroso,
E, em mim, ao seu poder, parece decair
Sob o peso da força do meu amor.
Ah, deixa o meu rosto verter a eloquência
E os presságios surdos do meu peito arfante,
Que anseiam pelo carinho e procuram a recompensa
Mais do que a língua que tanto o expressou.
Ó, aprende a ler o que o coração, em silêncio, escreveu:
Só a pureza do Amor nos faz ver e compreender.

SONETO 24


Meus olhos brincaram de pintar-te e lançaram
A forma de tua beleza sobre a tela do meu coração;
Meu corpo é a moldura onde está contida,
E a perspectiva é a melhor arte do pintor;
Pois, através do artista, deves constatar o seu talento
Para perceber onde está a tua verdadeira imagem retratada,
Que, no espaço dentro do peito, ainda está pendurada,
Onde os teus olhos são janelas lustradas.
Agora vê que bem fizeram mudar de olhos:
Os meus desenharam a tua forma, e os teus, para mim,
São as janelas em meu peito, por onde o sol
Deleita-se em admirar, vendo-te dentro de mim.
Embora os olhos queiram exibir a sua arte –
Pintam só o que veem e desconhecem o coração.

SONETO 25


Deixa aqueles cuja sorte brilha nas estrelas
Gabarem-se das públicas e nobres honrarias,
Enquanto, eu, impedido de tal fortuna,
Não procurei a alegria naquilo que mais prezo.
Dos príncipes os diletos espalham belas flores,
Mas como o mal-me-quer sob o sol,
E, em si mesmos, jaz enterrado o seu orgulho,
Cuja glória fenece sob o mero olhar.
O esforçado guerreiro, notável por suas batalhas,
Após mil vitórias, ao perder apenas uma,
Tem seu nome riscado do livro das honrarias,
E vê esquecido tudo por que lutou.
Feliz sou eu, que amo e sou amado,
De onde não me movo, nem sou movido.

SONETO 26


Senhor do meu amor, de quem, em vassalagem,
Uniu firme o teu mérito ao meu dever,
A ti envio este pedido por escrito,
Em testemunho do dever, não do meu talento;
Dever tão grande, cujo talento tão pobre quanto o meu
Parece destituído de palavras para expressá-lo,
Mas que espero que o teu bom conceito
Em teu âmago, todo despido, lhe trará;
Até que uma estrela que guie meu gesto
Aponte-me graciosamente com a sua beleza,
E vista o meu amor maltrapilho,
Para mostrar-me merecedor do teu doce respeito.
Então, que eu ouse me gabar do amor que sinto;
Até lá, me guardarei para que não me desafies.

SONETO 27


Cansado do trabalho, corro ao leito
Para repousar meus membros exaustos de viagem;
No entanto, inicia-se uma jornada em minha mente,
Depois que a atividade do meu corpo cessa:
Assim, meus pensamentos (vindo de muito longe)
Começam uma lenta peregrinação até onde estás,
E fazem que meus olhos sonolentos não se fechem,
Encarando o negror que os cegos veem:
Exceto que a visão imaginária de minh’alma
Traz a tua sombra invisível,
Que, como uma joia suspensa no escuro,
Adorna a noite turva, a renovar os seus traços.
Vê! Assim, de dia, as pernas e, à noite, a mente,
Nem por mim, nem por ti, encontram paz.

SONETO 28


Como posso, então, retomar o feliz sofrimento
Ao ser impedido da bênção do descanso,
Quando a opressão do dia não cessa à noite,
Mas se oprime, dia e noite, noite e dia,
E ambos (embora inimigos por natureza)
Consintam em cumprimentar-se para me torturar,
Um por obrigação, o outro, por queixume,
De que eu trabalhe ainda mais distante de ti?
Digo ao dia, para agradá-lo, que és luz,
E dou-lhe graças quando as nuvens escondem o céu;
Assim louvo a escura tez noturna,
Quando as estrelas não brilham e tu fulges sozinha.
Mas o dia prolonga os meus pesares,
E a noite faz a tristeza parecer ainda maior.

SONETO 29


Quando em desgraça, sem sorte e afastado
Dos homens, sozinho, em meu exílio,
Perturbo os Céus surdos, a gritar sem sossego,
E olho para mim, e amaldiçoo o meu destino,
Sonhando ser mais afortunado,
Como um homem de muitos amigos,
Cobiçando os seus talentos e sua visão,
E aquilo que mais aprecio sinto menos satisfeito;
Mesmo, nesses pensamentos, quase me desprezando,
Feliz, penso em ti e, depois, em meus bens
(Como a cotovia ao romper do dia, elevando-se
Das entranhas da terra), em hinos a louvar o céu;
Pois, lembrar teu doce amor traz tanta riqueza,
Que desdenho trocar meu dote com reis.

SONETO 30


Quando, em silêncio, penso, docemente,
Sobre fatos idos e vividos,
Sinto falta do muito que busquei,
E desperdiço um tempo precioso com antigos lamentos:
Então, meus olhos naufragam sem mais saber chorar,
Por queridos amigos envoltos na noite do esquecimento,
E novamente choro o amor há tanto abandonado,
Gemendo por algo que não mais vejo:
Assim, posso sofrer as velhas dores,
E lamentar, de pesar em pesar,
Uma triste história de antigas mágoas,
Que pranteio como se não as tivesse pranteado antes.
Mas, quando penso em ti, querida amiga,
Todas as perdas cessam e a tristeza finda.

SONETO 31


Teu peito contém todos os corações,
Que eu, por não os ter, supus mortos;
E onde reina o Amor, e tudo que o Amor mais ama,
E todos os amigos que pensei jazidos.
Quantas lágrimas santas e obsequiosas
Roubaram o Amor sagrado dos meus olhos,
Como maldição dos mortos que agora ressurge
Entre coisas invisíveis que em ti se ocultam!
Tu és a tumba onde o Amor enterrado vive,
Preso aos trunfos dos amores que partiram,
Que entregaram a ti tudo que pertence a mim;
E, por isso, tudo agora é apenas teu:
Tudo que neles amei, vejo em ti,
E tu (todos eles) me tens em tudo que sou.

SONETO 32


Se sobreviveres à plenitude do meu dia,
Quando a Morte vil com o pó cobrir meus ossos,
E, por sorte, mais uma vez releres
Estes pobres e rudes versos de teu falecido amante,
Compara-os com o apuro do tempo,
E embora sejam superados por outras plumas,
Guarda-os por meu amor, não pela rima,
Suplantada pela excelência de homens mais felizes.
Ó, poupe-me, salvo este pensamento amoroso:
“Se a Musa de meu amigo tivesse crescido com a sua idade,
Seu amor gerou um nascimento mais caro que este
Para cerrar as fileiras mais bem equipado;
Mas, como ele morreu, e os poetas se provaram melhores,
Lerei seus poemas pelo estilo e, os dele, pelo seu amor”.

SONETO 33


Já vi muitas manhãs gloriosas cobrirem
Os cumes das montanhas com o olhar soberano,
Beijando com sua tez dourada o verde dos campos,
Colorindo pálidos córregos com a divina alquimia,
Não permitindo que nuvens baixas vaguem
Com aspecto horrendo sobre a face celestial,
E do mundo distante escondam a sua visagem,
Fugindo, despercebido, para o Oeste, em desgraça.
Mesmo assim, meu sol brilhou cedo, um dia,
Em todo o seu esplendor triunfante sobre o cenho;
Porém, ó dor, ele apenas foi meu por uma hora –
As brumas encobriram-no totalmente agora.
Embora ele, por isso, desdenhe o meu amor;
Os sóis do mundo manterão a sua nódoa.

SONETO 34


Por que me prometeste um dia tão belo
E me fizeste viajar sem o meu manto,
Deixando que nuvens baixas cobrissem o meu caminho,
Ocultando a tua bravura em seu lacerado fumo?
Não basta que irrompas as nuvens
Para enxugar a chuva em meu rosto abatido,
Pois nenhum homem poderá dizer uma oração
Que cicatrize a ferida sem curar a desgraça.
Nem poderá a tua vergonha revelar a minha dor;
Embora te arrependas, ainda assim, perderei;
A tristeza do ofensor pouco alivia
Aquele que carrega a pesada cruz da ofensa.
Ah, mas as lágrimas são as pérolas do teu amor:
São valiosas e sanam todos os males.

SONETO 35


Não te entristeças mais pelo que fizeste:
As rosas têm espinhos, e a prata jaz sob a lama;
As nuvens e os eclipses encobrem o sol e a lua,
E o terrível negrume vive no doce botão.
Todo homem erra e, mesmo eu, aqui,
Permitindo que ouses comparar,
Minha corrupção, salvando a tua omissão,
Desculpando em excesso os teus erros;
Pois o teu pecado sensual eu considero –
Teu inimigo é o teu defensor –
E, contra mim, instaura-se um pleito;
Há uma guerra entre o Amor e o ódio
Em que me torno cúmplice
Do ladrão, que, malicioso, rouba a mim.

SONETO 36


Deixa-me confessar que devemos ser iguais,
Embora os nossos amores indivisos sejam um;
Da mesma forma que as manchas que ficam comigo,
Sem teu auxílio, para que eu as suporte sozinho.
Em nossos amores, há o mesmo respeito,
Embora em nossas vidas o mal nos separe,
Que, mesmo sem alterar os efeitos únicos do Amor,
Consegue subtrair doces horas do amoroso prazer.
Eu jamais poderia te reconhecer,
A menos que a minha culpa te envergonhe;
Nem tu publicamente com gentilezas me honrarias,
A menos que tire essa honra de teu nome.
Mas, não faças isso; amo-te de tal modo,
Pois, sendo minha, de ti só direi o bem.

SONETO 37


Como um pai decrépito se regozija
Ao ver o filho fulgir na juventude,
Então, eu, aleijado por despeito da Fortuna,
Encontro o meu consolo em tua honra e verdade.
Pois a beleza, o berço, a riqueza, a sagacidade,
Ou quaisquer dessas qualidades, ou todas, ou outras
Permanecem assentadas em si mesmas,
Ofereço o meu amor em seu nome.
Assim, não sou aleijado, pobre, nem desprezado,
Enquanto esta sombra se lança sobre ele,
Que eu, em tua abundância, me satisfaço,
E em uma parte do todo vive a tua glória.
Vê o melhor, o melhor que desejo em ti;
Este é meu desejo; sou, então, dez vezes mais feliz.

SONETO 38


Como pode minha Musa inventar os seus motivos,
Enquanto vives a derramar em meu verso
Teu doce argumento, sublime demais
Para se traçar sobre um papel comum?
Ah, agradeça a ti mesma, se em mim
Persiste o alento que se sustenta à tua frente;
Somente o estúpido não poderia te escrever,
Quando tu mesma dás luz à invenção?
Sê a décima musa, dez vezes mais valiosa
Que as outras nove antigas que os poetas invocam;
E aquele que te chamar, faze com que traga
Eternos versos que vivam por muito tempo.
Se, à minha leve Musa, agradar estes curiosos dias,
Minha será a dor, mas tua será a rima.

SONETO 39


Ó, como poderei com modos exultar o teu valor,
Se, de mim, és a melhor parte?
O que podem os meus louvores trazer a mim,
E o que sou, senão eu mesmo quando te elogio?
Mesmo aqui deixem que vivamos divididos,
E o nosso doce amor perder o seu nome,
E por esta separação eu lhe cause,
Que, graças a ti, tu a mereças sozinha.
Ó, ausência, que tormento provarias,
Se o teu amargo lazer não te libertasse
Para entreter o tempo com pensamentos de amor –
Que o tempo e pensamentos docemente enganam –
E que ensines como serem únicos,
Ao elogiá-lo aqui, e permanecer assim.

SONETO 40


Toma todos os meus amores, meu bem, sim, toma-os todos;
O que mais tens agora que já não tinhas antes?
Nenhum amor, meu bem, que possas chamar de Amor;
A mim, tinhas por inteiro, antes de me teres mais ainda.
Então, se pelo meu amor tu o recebeste,
Não posso culpar-te pelo meu amor que usaste;
Mas, mesmo culpada, se porventura te enganaste,
Por orgulho do que tu mesma recusaste.
Perdoo-te por teres me roubado, gentil ladina,
Embora roubes de mim toda a minha riqueza;
Ainda assim, o Amor sabe, é uma tristeza inda maior
Suportar do amor o erro do que a injúria do desamor.
Lasciva graça, em quem todo o mal se mostra,
Mata-me com teu desprezo, mas não nos tornemos inimigos.

SONETO 42


Por que a tens, não é este todo o meu pesar,
Mesmo que eu possa dizer quanto a amei;
Por ela ter a ti, este é todo o meu lamento,
Um amor ainda mais perdido para mim.
Amantes impuros, eu vos perdoo: –
Tu a amas, mesmo sabendo que eu a amo;
E mesmo que ela continue a abusar de mim,
Fazendo o meu amigo sofrer por ela e por mim.
Se eu te perder, para o meu amor será um ganho,
E, ao perdê-la, o meu amigo já não poderá tê-la;
Ao se unirem, perco os dois,
E ambos me farão arrastar esta cruz:
Mas, eis a alegria: meu amigo e eu somos um;
Doce engano! Assim, ela ama só a mim.

SONETO 43


Quanto mais pisco, melhor meus olhos veem,
Pois o dia todo vislumbram coisas que nada são;
Mas, quando adormeço, surges em meus sonhos,
E, luzindo no escuro, fulgem em meio ao breu;
E tu, cujo vulto reluz entre as sombras,
Cuja forma mostra-se alegre,
Na claridade, tua luz é ainda maior,
Que, ante meus olhos baços, faz a tua sombra brilhar!
Como (eu diria) seriam os meus olhos abençoados
Ao ver-te à luz do dia,
Quando, na calada da noite, a tua sombra bela e imperfeita
Permanece sob as minhas pálpebras durante o sono!
Todos os dias são noites, até que eu te veja,
E as noites, dias claros, ao mostrar-te em meus sonhos.

SONETO 45


Os dois outros, o ar leve e o fogo ardente,
Estão contigo onde quer que eu me encontre;
O primeiro, meu pensamento, o outro, meu desejo,
Entre a presença e a ausência, deslizam furtivamente;
Pois, quando se vão estes rápidos elementos
A prestar-te os doces louvores do Amor,
Minha vida, feita de quatro, com dois apenas
Fenece e morre, subjugada pela melancolia;
Até que a composição da vida seja sanada
Pelos teus lépidos mensageiros,
Que somente agora retornam, afiançando
Teu bem-estar, deixando-me em sossego.
Assim, me regozijo; porém, insatisfeito,
Rechaço-os e me torno ainda mais infeliz.

SONETO 46


Meus olhos e coração travam uma guerra mortal
De como repartir, entre eles, a visão que têm de ti:
Meus olhos rejeitam o que o meu coração vê,
Meu coração, aos meus olhos, a liberdade de te ver.
Meu coração alega ser por ele que te vejo
(Um quarto nunca visto com olhos puros),
Mas os acusados negam-lhe a autoria,
E dizem que és bela apenas para eles.
A demanda, sem precedentes,
Divide opiniões, todos reféns do coração;
E, por seu veredito, se determina
A parte dos olhos claros e do doce coração –
Assim: meus olhos veem o que me mostras,
E meu coração vê apenas o teu amor.

SONETO 47


Há uma união entre o que vejo e sinto,
E o bem que cada coisa verte uma em outra:
Quando os meus olhos anseiam por um olhar,
Ou o coração apaixonado, brando, a suspirar,
Meus olhos celebram a imagem do meu amor,
E, diante do banquete, se rende a minha emoção;
Em outro tempo, os meus olhos se aninham ao sentimento,
E a seus pensamentos amorosos se unem:
Então, seja por tua imagem ou pelo meu amor,
Estás, mesmo longe, sempre comigo;
Pois não corres mais que os meus pensamentos,
E estou sempre com eles e, eles, contigo;
Ou, se adormecem, a tua imagem à minha frente
Desperta o meu amor para a alegria dos olhos e do coração.

SONETO 48


Que cuidado tomei quando, em meu caminho,
Ao acaso surgiram inutilidades,
Que, para mim, continuariam intocadas
Pelas mãos da falsidade, entregues à confiança.
Mas tu, para quem minhas riquezas nada são,
Zelo mais valoroso, agora o meu maior pesar,
Tu, a mais amada e meu único cuidado,
Do mais terrível ladrão te tornas presa,
A ti, não encerrei em uma arca,
Salvo onde não estás, embora sinta que estejas
Dentro da gentil clausura do meu peito,
De onde poderás ir e vir a teu bel-prazer;
E, mesmo assim, temo que serás roubada,
Pois a verdade nos furta quanto maior o prêmio.

SONETO 49


Contra o tempo (se este tempo vier)
Quando rejeitares os meus defeitos,
Quando o teu amor fizer o seu maior lance,
Chamada a explicar-se por teu respeito;
Contra o tempo quando passas como estranha,
E mal me cumprimentas com o teu olhar em fogo,
Quando o amor transformado daquilo que era
Encontrar motivos de reconhecida gravidade;
Contra esse tempo, eu me protejo,
Conhecendo os meus próprios desígnios,
E, assim, contra mim, ergo a minha mão,
Para resguardar as tuas razões de direito.
Para me deixares, pobre de mim, empregas a força da lei,
Pois, a razão do Amor, não posso alegar os meus motivos.

sábado, 2 de janeiro de 2016

SONETO 50


Com que pesar enfrento a jornada,
Quando o que procuro (o triste fim do meu caminho)
Mostra-me, docilmente, a resposta que devo dar:
“Assim as milhas são marcadas para longe do teu amigo”.
O animal que me carrega, cansado do meu pranto,
Cavalga firme, suportando o peso que levo comigo,
Como se, por instinto, o animal soubesse
Que o cavaleiro de ti não quisesse se afastar.
As esporas sangrentas não o atiçam,
Que, por vezes, o ódio toca-lhe por dentro,
E, prontamente, responde com um grunhido
Mais agudo para mim do que ao esporeá-lo;
Pois o mesmo grunhido põe isto em minha mente:
Minha tristeza jaz à frente e, minha alegria, atrás.

SONETO 51


Assim pode o meu amor desculpar a velada ofensa
De minha torpe montaria quando de ti me afasto:
Por que eu deveria fugir de onde estás?
Até retornar, não preciso te escrever.
Ó que desculpa dará o meu pobre animal,
Quando a galope parecerá se demorar?
Então, eu deveria cavalgar o vento –
A velocidade alada é desconhecida para mim.
Assim, nenhum cavalo acompanhará o meu desejo;
Portanto, o desejo do amor que se faz perfeito
Negará todo o corpo em sua célere carreira;
Mas o Amor, pelo amor, desculpará o meu alazão:
Pois, ao me afastar de ti, trotou lentamente,
Correrei até onde estás e, a ele, deixarei partir.

SONETO 52


Serei como o rico, cuja abençoada chave
Conduz a seu doce e bem guardado tesouro,
Que nem sempre vem admirar
Para não perder o prazer de vê-lo.
Por isso, as festas são tão solenes e raras –
Esparsamente marcadas ao longo do ano,
Como pedras valiosas, delicadamente dispostas,
Ou suntuosas joias incrustadas na tiara.
Assim é o tempo que a mantém junto a meu peito,
Ou como o guarda-roupa que esconde o vestido,
Para transformar o instante em mais especial ainda,
Ao desfolhar novamente o seu orgulho aprisionado.
Abençoada sejas, cujo valor ressalta;
Ao ter-te, o triunfo; ao perder-te, a esperança.

SONETO 53


De que substância és feito,
Que milhões de estranhas sombras te envolvem?
Como todos têm, cada um, a sua sombra,
E tu, sozinho, empresta-as a eles.
Descreve Adônis, cuja imitação
É parcamente feita à tua imagem;
No rosto de Helena toda a arte da beleza se define,
E tu, em mosaicos gregos, és de novo pintado;
Fala da primavera, e do frescor do ano;
Aquela que traz a sombra de tua formosura,
O outro, que a teu coração se assemelha,
E tu, em toda forma abençoada e conhecida.
Fazes parte de toda graça visível,
Mas, nem tu, nem ninguém mantêm fiel o coração.

SONETO 54


Ó, muito mais linda parece a beleza
Docemente ornada pela verdade!
A rosa é linda, mas a julgamos ainda mais bela
Pelo suave olor que exala.
As rosas silvestres têm o mesmo tom
Que as rosas perfumadas e coloridas,
Presas a seus espinhos e brincam, voluptuosas,
Quando o hálito do verão vem abri-las em botão;
Mas, como a aparência é a sua única virtude,
Vivem esquecidas e murcham abandonadas –
Morrendo solitárias. Doces rosas não fenecem;
De suas ternas mortes exalam os mais doces perfumes,
Assim como de ti, linda e amável donzela,
Ao feneceres, a tua verdade destilará nos versos.

SONETO 55


Nem o mármore, nem os monumentos luxuosos
Dos príncipes viverão mais que este poderoso verso,
Mas brilharás ainda mais neste poema
Do que a intocada gema envolta pela névoa do tempo.
Quando a guerra inútil destruir todas as estátuas,
E as disputas surgirem no trabalho diligente,
Nem deixarão de Marte a espada, nem do embate arder
O fogo fátuo o límpido registro de tua memória.
Avançarás contra a morte e toda a hostilidade obliterada;
Teu ânimo ainda encontrará lugar
Mesmo aos olhos da posteridade,
Que leva este mundo ao seu cataclismo.
Então, até o julgamento que tu mesmo fazes,
Aqui vives e permaneces nos olhos dos teus amores.

SONETO 56


Doce amor, sê forte; não digas que
Teu ardil seja mais bruto que o teu apetite,
Que somente hoje alias e alimentas,
Depois aguçado em seu antigo poder:
Então, amor, sê tu mesma; embora hoje preenchas
A fome de teus olhos, mesmo plenos,
Amanhã novamente vejam, e não matem
O espírito do Amor com perpétuo tédio.
Deixa este triste ínterim ser como o oceano
Que divide a praia, onde dois novos seres
Diariamente vêm até as margens e, ao assistirem
Retornar o Amor, mais abençoada se torna essa visão;
Ou mesmo o inverno, que, cheio de cuidado,
Faz o estio ser três vezes mais raro e ansiado.

SONETO 57


Sendo teu escravo, o que fazer senão atender
Às horas e aos chamados do teu desejo?
Não tenho nenhum tempo para mim,
Nem serviços a cumprir, até que me peças.
Nem ouso repreender a hora do mundo sem fim,
Enquanto eu, minha soberana, sigo as tuas horas,
Nem penso que a solidão da ausência seja amarga,
Após dispensar o teu servo de teu serviço;
Nem ouso questionar com meus ciúmes
Onde estarás, ou imaginar o que fazes,
Mas, como um triste escravo, sento-me e não penso,
Exceto, quão feliz deixas a todos onde estás:
Então, que tolo é o amor, que, sob o teu jugo
(Embora nada faças), nenhum mal o assombre.

SONETO 61


É teu desejo que a tua imagem mantenha abertas
Minhas pesadas pálpebras nesta fatigada noite?
Desejas que o meu sono se quebre,
Enquanto as sombras zombam ao me verem?
É o teu espírito que envias até a mim,
Tão longe de casa, para me bisbilhotar,
Para desvendar os meus erros e as ociosas horas,
Mantendo vivo e aceso o teu ciúme?
Ah, não! Teu amor, mesmo imenso, não é tão grande;
É o meu amor que deixa os meus olhos despertos,
Meu amor verdadeiro que corrói o meu descanso,
Para manter-me em vigília por tua causa.
A ti, vigio, enquanto, ao longe, despertas,
Tão distante de mim e, de outros, tão perto.